Com 122 anos de história, o cooperativismo de crédito deu mais uma prova de sua força e capacidade de inclusão financeira. O Sistema Nacional de Crédito Cooperativo (SNCC) registrou em 2024 um crescimento de 21,1% nos ativos totais, alcançando a marca de R$885 bilhões. O ritmo superou, com folga, a expansão do Sistema Financeiro Nacional (SFN), que foi de 13,1% no mesmo período, segundo o relatório Panorama do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo 2025, divulgado recentemente pelo Banco Central (BC).
Mais do que números expressivos, os resultados revelam um movimento de transformação estrutural. Cada vez mais, as cooperativas de crédito se consolidam não apenas como alternativa aos bancos tradicionais, mas como protagonistas na democratização do acesso a serviços financeiros de qualidade em todas as regiões do país. Os números comprovam. O estudo do BC mostra que, além da expansão de ativos, o SNCC também avançou em outros indicadores: enquanto as operações de crédito bateram R$529,7 bilhões, as captações somaram R$708 bilhões, com alta de 21,7%. Já a presença territorial demonstra sua força: cooperativas estão em 58% dos municípios brasileiros, enquanto em 469 cidades, são a única instituição financeira presente, desempenhando papel decisivo na vida econômica local.
Para Marcelo Cárfora, especialista em cooperativismo financeiro e consultor do setor, além de sócio-diretor da Filos Cooperativa Consultoria em Cooperativismo, os dados comprovam a maturidade do modelo no Brasil. “As cooperativas não crescem apenas em volume, mas em relevância. Quando o Banco Central mostra que quase 500 municípios dependem exclusivamente delas, isso está nos dizendo que o cooperativismo é parte essencial da infraestrutura financeira do país. Sem essas instituições, milhões de brasileiros estariam excluídos do sistema bancário.”
“Enquanto bancos visam maximizar retorno para acionistas, as cooperativas reinvestem no território. Essa lógica fortalece o capital social, cria fidelidade e dá lastro ao crescimento de longo prazo.”
– Marcelo Cárfora, especialista em cooperativismo financeiro e consultor do setor, além de sócio-diretor da Filoscooperativa Consultoria em Cooperativismo
Mais do que crédito: desenvolvimento regional
Outro ponto de destaque é que, historicamente, o cooperativismo de crédito nasceu vinculado ao crédito rural, apoiando pequenos agricultores e comunidades do interior. Hoje, seu alcance é bem mais amplo, incluindo micro e pequenas empresas urbanas, profissionais autônomos e até grandes empreendimentos, mas sem perder a vocação de proximidade. Essa capilaridade explica a forte presença em municípios de pequeno porte, sobretudo nas regiões Sul e Centro-Oeste, mas com expansão crescente no Nordeste e na Amazônia Legal, áreas onde a bancarização sempre foi um desafio.
Crescimento de ativos em 2024
- SNCC: +21,1%
- SFN: +13,1%
Cárfora reforça esse ponto: “enquanto bancos tradicionais fecham agências em cidades menores por não considerarem rentáveis, as cooperativas permanecem e se expandem. Isso acontece porque sua lógica não é a maximização do lucro imediato, mas a geração de valor para o cooperado e para a comunidade”, diz o consultor, acrescentando que as cooperativas conseguem proporcionar a inclusão financeira nas regiões da região, ofertando produtos e serviços com tarifas e taxas justas e adequadas. “E o mais importante: os recursos geridos e resultados obtidos permanecem no município, colaborando dessa maneira não somente com a vida financeira de cada cooperado, mas fortalecendo a comunidade em geral”.
O estudo mostra, ainda, que as operações de crédito somaram R$529,7 bilhões, enquanto as captações atingiram R$708 bilhões, com expansão de 21,7%. A composição dos ativos também reforça a solidez do modelo: R$464,5 bilhões em crédito líquido de provisão, R$244,6 bilhões em títulos e valores mobiliários e R$111,8 bilhões em tesouraria.
Segundo Cárfora, esses resultados confirmam que o crescimento do setor está sustentado por diversificação de fontes de receita e gestão prudente.“As cooperativas conseguem equilibrar a expansão do crédito com uma estrutura eficiente de captação e liquidez. Isso não só garante rentabilidade, mas também fortalece a resiliência em cenários de maior volatilidade macroeconômica.”
Comparação internacional: potencial de expansão
Apesar do avanço, o Brasil ainda está distante de modelos maduros. Na Alemanha, um terço da população é cooperada; no Canadá, 20% do mercado financeiro é cooperativo. Aqui, são 15 milhões de cooperados, aproximadamente 7% da população. “O dado mostra que há um espaço enorme para expansão. Se o país conseguir ampliar a base de associados, sobretudo nas periferias urbanas e regiões historicamente desassistidas, o cooperativismo pode se tornar um vetor ainda mais estratégico de inclusão financeira. O impacto não será apenas econômico, mas social e estrutural”, observa Marcelo.
Comparação internacional
- Alemanha: 1/3 da população é cooperada
- Canadá: 20% do mercado financeiro é cooperativo
- Brasil: 15 milhões de cooperados (7% da população)
O relatório também aponta aumento de 16,4% nas despesas administrativas e de 38,2% nas provisões para risco, um reflexo da Resolução 4966/21. A consequência foi pressão sobre a rentabilidade, sobretudo em cooperativas de menor porte. Para Cárfora, o desafio é encontrar eficiência sem perder o foco na qualidade. “As provisões mais rigorosas são positivas, pois reforçam a segurança do sistema, mas exigem adaptação. As cooperativas precisam buscar ganhos de eficiência, seja via digitalização, seja pela diversificação de serviços. Em alguns casos, incorporações podem ser estratégicas para diluir custos e manter a competitividade.”
Outro ponto é a regulação. O BC tem reforçado a necessidade de governança, compliance e estruturas de auditoria, especialmente nas chamadas cooperativas plenas. “O crescimento do setor só é sustentável se mantivermos a solidez patrimonial. A governança não pode ser vista como custo, mas como investimento na perenidade do modelo. O cooperativismo cresce porque é sólido, e manter essa solidez é a chave para o futuro”, reforça o especialista.
Digitalização com cautela e o papel social em foco: o futuro é ESG
Embora o setor avance em internet banking, carteiras digitais e soluções de pagamento, o especialista alerta para o risco de perder o diferencial do relacionamento. “O futuro é digital, mas não podemos abrir mão da essência do cooperativismo: o vínculo com o cooperado. A tecnologia deve ser usada para ampliar acesso e eficiência, nunca para substituir a proximidade que caracteriza o setor.”
Além dos números, há o impacto social menos visível, mas fundamental: reinvestimento em comunidades, educação financeira e apoio a projetos locais. Para Cárfora, esse é um ativo intangível que diferencia o modelo cooperativo. “Enquanto bancos visam maximizar retorno para acionistas, as cooperativas reinvestem no território. Essa lógica fortalece o capital social, cria fidelidade e dá lastro ao crescimento de longo prazo”, defende.
O crescimento em 2024
- Ativos totais: R$ 885 bilhões (+21,1%)
- Operações de crédito: R$ 529,7 bilhões
- Captações: R$ 708 bilhões (+21,7%)
- Presença: 58% dos municípios
- Exclusividade: 469 cidades
No horizonte, a agenda ESG desponta como oportunidade. Cooperativas têm condições de liderar o financiamento de energia renovável, agricultura sustentável e negócios de impacto social. “Estamos diante de um setor que se alinha às grandes demandas do século XXI. A combinação de inclusão, inovação e sustentabilidade pode fazer do cooperativismo brasileiro uma referência mundial.”
Além dos indicadores financeiros, o crescimento das cooperativas reflete em outros aspectos menos mensuráveis, mas igualmente importantes. Elas reinvestem resultados nas comunidades, fomentam educação financeira, apoiam projetos locais e fortalecem o capital social. Um exemplo é o apoio a programas de capacitação de jovens e empreendedores em cidades pequenas, onde o acesso a crédito e orientação costuma ser escasso. Esse impacto social invisível diferencia as cooperativas dos bancos comerciais.
Nos próximos anos, especialistas apontam que o cooperativismo financeiro deve ganhar ainda mais destaque em iniciativas ESG (ambientais, sociais e de governança). Como instituições de base comunitária, as cooperativas têm vantagem competitiva natural para financiar projetos de energia renovável, agricultura sustentável e negócios de impacto social.
Marcelo Cárfora conclui com uma visão otimista: “estamos diante de um setor que não apenas cresce em números, mas também se alinha às demandas do século XXI. O cooperativismo financeiro brasileiro tem tudo para ser referência mundial, conciliando inclusão, inovação e sustentabilidade.”
Por Letícia Rio Branco
Reportagem exclusiva publicada na edição 125 da Revista MundoCoop